1. A palavra auê, cujo significado é "Salve", é equivalente a uma saudação, um tipo de saudação. Nome de provável origem tupi e talvez associado à bebida fermentada chamada “ka´wi”, tomada pelos índios em beberagens rituais. Também indica uma pessoa de extrema bondade e inteligência, muito elogiada pelo seu jeito amoroso e um tanto tímido que encanta a todos. Significa atualmente, em gíria, uma grande festa, uma algazarra alegre, uma farra. Auê!
2. A palavra cultura vem da palavra “cultivar”, de onde se infere que culto é alguém que tem o hábito de cultivar algo que o torna, ele mesmo, um ser cultivado, gesto que é anterior à política e à educação, porque não há política ou educação fora da cultura e cultura fora da educação e da política.
3. Logo, um homem torna-se um alienado político e um mal-educado quando desconhece a importância da cultura como amálgama da identidade, porque sem cultura não há identidade e não há história, uma vez que não há história fora da cultura e cultura fora da história. Portanto, é impossível um homem saber o que é ou porque é fora da cultura. Numa palavra, cultura e história são a mesma coisa.
4. Em um país onde a identidade cultural perde a cada dia suas mais importantes referências, as pessoas não sabem mais quem são seus guias espirituais, intelectuais, literários, artísticos e, portanto, culturais. A falta de modelos gera uma crise de identidade, porque a cultura necessita de referências com as quais pode multiplicar os seus poderes e sua influência. Substituí-los por novos não é fácil, porque sem referências, o homem caminha lentamente para a barbárie, até achá-la comum e, depois, natural.
5. O homem, nesse ponto em diante, torna-se aos poucos um animal egoísta, porque o ser humano é um animal cultural e social, e como tal, só pode construir a humanidade e a civilização se a cultura torna-se a sede de sua mais alta espiritualidade e elevação intelectual.
6. A diferença entre um homem civilizado e um animal selvagem, entre um homem cultivado e um inculto é a ponte que permite a total separação entre tolerância e intolerância, civilidade e selvageria, educação e brutalidade, ética e desonestidade, fraternidade e egoísmo, e, por fim, entre homens e feras.
7. Só o mais alto grau de cultura permite a convivência democrática e tolerante entre os diferentes, e a diferença só é possível se a convivência entre tantas singularidades e individualidades pressupor a total liberdade de opinião, crença e formação intelectual, onde até mesmo a mais brutal das opiniões tem o direito à existência e à expressão, desde que não anule ou suprima as outras individualidades, singularidades e liberdades. O egoísta só pode existir graças ao altruísmo, e o altruísmo só existe graças ao culto da inteligência e da própria cultura. Portanto, cultura, liberdade e democracia são irmãs gêmeas.
8. Quando o Estado falha, quando a política falha, quando os partidos falham, quando não cremos mais em nossos líderes como representantes da vontade coletiva da sociedade, o que resta fazer? Ser mais criativo, e, portanto, mais culto. Nos tempos mais sombrios da humanidade, quando a política se transformou no refúgio dos piores e mais sórdidos indivíduos, a cultura, em sentido contrário, tornou-se o refúgio dos homens mais inteligentes e dotados, e a partir dela surgiram novos líderes, novas referências, e, dentre eles, novos políticos e representantes da vontade coletiva dignos desse nome. A cultura é, deste modo, uma usina de ética, probidade e cidadania, e, portanto, quando a cultura falha ou é omissa, prospera toda sorte de criatura espúria e desonesta.
9. A cultura não é uma mercadoria e, no entanto, é uma das indústrias mais lucrativas e a ambientalmente mais correta. O fluxo de capitais gerado pelo simples fato de que as pessoas viajam para conhecer outras culturas movimenta quantias incalculáveis em todos os países do mundo. Se alguns países são mais visitados que outros, se algumas regiões são mais visitadas que outras, não é porque possuam menos ou mais cultura , menos ou mais atrativos. A culpa é da sociedade que não o quer ou que divulga muito mal a si mesma, sem falar da ocasional ou usual incompetência dos gestores públicos e produtores culturais.
10. A cultura é a maior fonte de riquezas do mundo, e, no entanto, a que recebe menos investimentos e destaque nos programas governamentais. Quando, ao contrário, investe-se maciçamente em cultura, todo o restante do complexo de circulação de riquezas surge do nada, até no meio de desertos, como em Dubai ou Abu Dhabi. As pessoas não querem só dinheiro. Querem dinheiro, diversão, e arte. Cultura! Auê! Portanto, todo dinheiro e investimento possível à cultura.
11. Em um país onde há tanta injustiça social, onde muitas vezes a arrogância e a prepotência disfarçam-se de falsa modéstia, onde há ainda tantos analfabetos absolutos e funcionais, tanta concentração e má distribuição de renda, onde há regiões ricas como os mais ricos países europeus e regiões miseráveis como os mais miseráveis países africanos, onde, na mesma cidade, há arranha-céus espelhados ao lado de bairros feitos de papelão, lona e madeira, onde a alienação é maior que a educação, onde a corrupção é maior que a honestidade e a decência, onde a riqueza, que é tão grande quanto a pobreza, se tornou tanta a ponto de sermos uma nação credora do FMI, e mesmo assim ainda temos pessoas de nosso povo vivendo em situação comparável a de muitos Haitis, não resta a menor dúvida que a ação do Estado é ineficaz e ausente em boa parte das vezes, além de ser algo paradoxal e incoerente. Diante desse quadro, o artista, o intelectual, o produtor cultural, o formador de opinião, o folclorista, o pesquisador, os meios de comunicação, a sociedade civil organizada, só podem se unir e bradar para que a injustiça e o horror social não se transformem no pior e mais abominável tipo de cultura: a indiferença. Cultivemos, portanto, o que há de melhor em nossa cultura, e que haja a melhor cultura para todos. Para todos! Para todos!
12. Convocamos, portanto, todos os artistas e produtores culturais de Rio Claro a fundarmos um movimento, um grande “Auê” cultural, que envolva todos os segmentos artísticos e toda a cidade, a fim de transformarmos a cultura em nosso instrumento maior de cidadania e dignidade humana. Façamos o ritual do “ka´wi” cultural, a cultura como beberagem espiritual e amor à arte e à vida!
AUÊ!!!